29 de mar. de 2009

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APROVEITAMENTO ESCOLAR

Ambiente favorável é essencial para aprendizagem

Para o filósofo e sociólogo chileno Juan Casassus, além de conhecer os conteúdos que ensina, o professor deve identificar as necessidades dos alunos


Nova-Escola

12/03/2009 19:01

Texto
Rodrigo Ratier

Foto: Claudio Bueno
Foto: Juan Casassus

Juan Casassus, filósofo e sociológo chileno, acredita no bom relacionamento entre aluno e professor

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Entre 1995 e 2000, o chileno Juan Casassus esteve à frente de um ambicioso estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sobre a qualidade da Educação na América Latina. A pesquisa, realizada em 14 países - incluindo o Brasil - e publicada no livro A Escola e a Desigualdade, analisou fatores que favorecem o bom desempenho dos estudantes. Docentes com formação sólida, avaliação sistemática, material didático suficiente, prédios adequados e famílias participativas apareceram como características importantes. Mas um aspecto lhe chamou a atenção: ter um ambiente emocional adequado, gerado pelo bom relacionamento entre professor e aluno, também é fundamental. "Essa descoberta me surpreendeu. Com base nela, direcionei meu foco para entender melhor o papel das emoções na vida em geral e na aprendizagem em especial." Para transmitir o gosto pelo conhecimento, diz o filósofo e sociólogo especialista em Educação, um professor precisa dominar os conteúdos de sua disciplina - e também saber acolher as turmas, identificando e trabalhando interesses e sentimentos.


Para ler, clique nos itens abaixo:
1. Como surgiu sua curiosidade pelas emoções na aprendizagem?
Juan Casassus: Comecei a prestar atenção no assunto quando fui encarregado de dirigir o Primeiro Estudo Comparativo em Linguagem, Matemática e Fatores Associados para Alunos de Terceira e Quarta Séries do Ensino Fundamental (Peic). Foi um programa da Unesco realizado entre 1995 e 2000 em 14 países da América Latina que incluiu uma análise comparativa dos currículos, entrevistas com pais e professores e aplicação de provas de Linguagem e Matemática a 54 mil estudantes. O objetivo era compreender os fatores que influem no desempenho dos alunos.
2. Quais fatores influem no desempenho dos alunos?
Juan Casassus: O achado mais surpreendente da pesquisa foi a importância do ambiente favorável à aprendizagem na escola - mais especificamente, a necessidade de um clima emocional adequado dentro da sala. Nas instituições em que os alunos se dão bem com os colegas, não há brigas, o relacionamento harmonioso predomina e não há interrupções nas aulas, eles se saem melhor. Verificamos que o desempenho deles chegou a ser superior em 36% na nota média da prova de Linguagem e 46% na de Matemática.
3. Qual o peso do clima emocional em relação aos outros fatores?
Juan Casassus: Muito grande. Na nossa pesquisa, teve uma importância maior do que todos os demais fatores somados. E veja que examinamos mais de 30 variáveis, como condições de trabalho, salário, experiência e formação dos professores, o número de livros em casa e na biblioteca, o tempo que os pais passam diariamente com os filhos e o total de alunos por classe.
4. Como o ambiente favorece o aprendizado?
Juan Casassus: Quando os estudantes se sentem aceitos, os músculos se distendem e o corpo relaxa. O reflexo é que eles se tornam mais seguros. Assim, o medo se reduz, as crianças ficam mais espontâneas e participativas e sem temor de cometer erros - quero sublinhar que o mecanismo da tentativa e erro é fundamental para aprender. Confiantes, elas são capazes de mostrar até mesmo o momento em que o interesse pelo assunto tratado em sala desaparece - e o porquê de isso ter ocorrido. Construir uma relação assim pode demorar, mas certamente nunca será desperdício de tempo.
5. O professor não corre o risco de perder o controle da classe?
Juan Casassus: Acredito que, quando a turma aprende coisas motivantes, o problema da indisciplina desaparece, já que muitas vezes ela é conseqüência do tédio produzido por aulas pouco interessantes. Se o conhecimento é significativo para a criança, ela deseja aprender. Por outro lado, se não há interesse na matéria, vai haver bagunça na classe. Para combater esse comportamento e também a violência, não adianta criar mais punições. É preciso ver quais necessidades de acolhimento e quais emoções a escola ainda não conseguiu compreender.
6. Há situações em que essa estratégia pode falhar?
Juan Casassus: Sim. Mas respeitar os sistemas de valores dos estudantes, sua lógica e seus problemas não equivale a dizer que o professor precisa ser amigo deles. Ele pode e deve usar sua autoridade para advertir algum jovem por atitudes inadequadas na aula ou em relação a outro colega. Isso é bem diferente de ser autoritário e controlar a classe ameaçando com castigos, notas baixas e punições que provocam medo e tensão. Essa estratégia, infelizmente, é a escolha de boa parte das escolas.
7. Como conseguir que o conteúdo seja significativo?
Juan Casassus: Qualquer currículo moderno pode se adaptar a temas de interesse deles. Afinal, o aprendizado exige uma motivação interna de quem aprende. Por exemplo: se preciso falar de Física, de estrutura dos materiais ou de conceitos como velocidade e aceleração, posso usar como base carros de corrida ou outro tema mais próximo do universo de crianças e adolescentes. É possível encontrar caminhos para que esse entusiasmo se encaixe no planejamento curricular. Dessa forma, consigo elaborar dezenas de atividades. Trata-se de adaptar o conhecimento a uma maneira compatível com o fluxo natural em que a turma está inserida naquele momento.
8. Isso implica abrir mão de abordar alguns conteúdos curriculares?
Juan Casassus: Não. Eles continuam sendo essenciais. A mudança principal não é no "que" ensinar, é no "como". É saber que o interesse dos estudantes está relacionado às suas condições de vida e que se pode explicar qualquer matéria adaptando-a a essa lógica. É preciso estar preparado para situações inesperadas, encontrando soluções inéditas e criativas em vez de recorrer sempre ao mesmo jeito de ensinar. Um bom professor, que conhece sua disciplina e as emoções de seus alunos, consegue fazer isso.
9. O que é exatamente uma emoção?
Juan Casassus: Não há consenso. Alguns a classificam como uma resposta a fatos marcantes. Outros a consideram uma disposição para a ação. Para mim, emoção é mais do que a simples experiência fisiológica ou psicológica. É uma energia vital, que liga os acontecimentos do mundo externo com o mundo interno de cada um de nós. Muitas de nossas atitudes são disparadas por uma emoção.
10. Qual o impacto dessa idéia na Educação?
Juan Casassus: É forte, pois o que aprendemos e como aprendemos depende das emoções. As pesquisas da chamada "década do cérebro", os anos 1990, ressaltam que percebemos o mundo antes pelos nossos sentimentos, por meio de estímulos recebidos pelos sentidos, do que pela razão. Daí a importância de um ambiente de respeito mútuo como estímulo para a aquisição de conhecimentos.
11. Como as escolas têm lidado com as emoções?
Juan Casassus: Mal, porque herdaram um modelo antigo de instituição de ensino. No século 19, quando os sistemas educativos nacionais foram criados, predominava uma visão racionalista do ser humano. Tudo que tivesse a ver com corpo e emoções tinha de ser afastado porque ia contra o desenvolvimento da faculdade superior de raciocinar, vista como o caminho do progresso e da felicidade. O resultado disso foi a criação de uma organização antiemocional, onde prevalecem as humilhações, as comparações, os juízos de valor e as desqualificações. O resultado é uma escola indisciplinada e violenta.
12. É preciso repensar o que é o aluno?
Juan Casassus: Sim. O sujeito da Educação deve deixar de ser encarado como puramente racional. Ele é um indivíduo que se divide em três partes: razão, emoção e corpo. Essa forma diferente de pensar muda completamente a maneira de ensinar, que até agora tem sido condutivista - ou seja, baseada na idéia de estímulo-resposta: a crença de que bastava o professor explicar a matéria para que todos aprendessem. Isso fracassou e o que se observa, em geral, é uma desmotivação fenomenal nas crianças. É preciso pôr ênfase em outros aspectos. O principal deles é o que chamo de conectividade.
13. O que é conectividade?
Juan Casassus: É a competência que o professor tem para escutar o aluno, aceitá-lo sem preconceito e vê-lo como um ser humano. Como resultado, ele se abre para a aprendizagem. Se essa relação é generalizada, a sala de aula passa a ter um bom ambiente emocional. É preciso competência emocional para a conectividade. Um exemplo: dando aula para jovens de 18 anos, percebi que eles tinham muita vergonha de se expor. Para favorecer o aprendizado naquela turma, tive de garantir que as atividades em sala não os pusessem em situações limite de vergonha para que aprendessem, sem medo nem inibição, o que eu ensinava.
14. A formação dos professores inclui a dimensão emocional? Como se aprimorar nessa área?
Juan Casassus: A Educação Emocional já começa a aparecer como tema de cursos em alguns países, como Chile e Argentina. Mas ainda somos analfabetos emocionais. Há pouca discussão sobre o tema. Para o educador, creio que uma medida importante é realizar um trabalho de autoconhecimento para lidar com as emoções de forma mais madura.
15. Como autoconhecimento do professor é importante?
Juan Casassus: A idéia é compreender melhor de que forma nossos sentimentos são disparados e o que fazer com eles. Cada um está relacionado a uma gama possível de ações, que depende das competências emocionais de cada um. No livro La Educación del Ser Emocional, conto um exemplo pessoal: em minhas corridas matinais, sinto medo de passar em frente à casa de meu vizinho porque, certa vez, o cachorro dele me mordeu. Para superar a fobia, preciso educar meu ser emocional - não para apagar a lembrança do fato, mas para "desligar" a reação de atravessar a rua quando me lembro disso.
16. Um professor emocionalmente educado trabalha melhor?
Juan Casassus: Sim, ele consegue identificar, ler e trabalhar não apenas as próprias emoções mas também as das pessoas a seu redor. No diálogo com os alunos, o docente presta atenção não somente nas palavras, mas em atitudes, gestos, expressões e linguagens corporais. Essa capacidade sensível de entendê-los e pôr-se no lugar deles é essencial para induzir o processo de aprendizagem.
17. Quais os segredos de uma educação emocional?
Juan Casassus: Existem sete atitudes para o desenvolvimento da Educação Emocional. A primeira é dar-se conta dos próprios sentimentos. A segunda, observar o que ocorre com a turma. A terceira, entender as pessoas para estabelecer conexões com elas. A quarta, cuidar da qualidade dessas interações. A quinta, ter consciência das ligações entre as coisas que acontecem na aula. A sexta, demonstrar empatia pelo que acontece com o outro. E, por fim, se responsabilizar pelo que ocorre em sala, sem ficar procurando fora dela culpados pelos insucessos.

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